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LATE NIGHT JUNCTION
Manage episode 452885338 series 1453662
by Jorge Vicente
00:00:01 Surma | Uppruni
00:02:51 Jorge Vicente | Violet – Parte I (Ema Alba Lobo)
00:04:20 Ala dos Namorados| Rosa Negra
00:07:53 Novos Baianos | Acabou Chorare
00:11:59 Martin and Blane | That's How I Love the Blues
00:15:58 Jorge Vicente | Violet – Parte II (Ema Alba Lobo)
00:16:26 Red Norvo & His Orchestra | Remember
00:19:34 The Chantels | My Memories of You
00:21:43 The Marvelettes | Happy Days
00:23:42 Derek & The Dominos | I Am Yours
00:27:10 The Charts | Why Do You Cry
00:29:30 Johnny Ace | Pledging My Love
00:31:53 The Aquatones | You
00:33:49 Jorge Vicente | Violet – Parte III (Ema Alba Lobo)
00:34:36 The Nutmegs | My Sweet Dream
00:36:43 The Jesters | The Wind
00:39:58 Little Caesar & The Romans | Adorable
00:42:18 The Shirelles | Lonely Teardrops
00:44:54 Jorge Vicente | Violet – Parte IV (Ema Alba Lobo)
00:45:59 The Ronettes | Walking In The Rain
00:49:02 Angel Olsen | Who's Sorry Now
00:51:17 Jorge Vicente | Violet – Parte V (Ema Alba Lobo)
00:52:42 Tarnation | Two Wrongs Won't Make Things Right
VIOLET
esqueço-me de abrir as portas do carro. elas estão presas ao pó que circunda o pátio da casa. vou sair. ligo o ar condicionado e espero que a rádio transmita aquelas palavras que, muitas vezes, repetem ao longo da manhã. bom dia. o trânsito está encerrado na estrada 43 e não é bom dia para passear. melhor seria ficar em casa e comemorar a solidão, olhando as pequenas folhas que teimam em se movimentar em pequenos círculos, como se puxadas por um cordel imaginário. lá fora, vivem as pessoas e o seu estranho círculo de relações. ligo o carro e aperto o cadafalso à pedra. muita distância separa o teu corpo das inúmeras sensações que o prazer provoca, mesmo que este seja uma forma nada subtil de enganar a solidão. aperto-me ainda mais na sensação de ter de me movimentar estrada fora e admirar as mulheres que me pedem para adormecer num diner triste e decadente. é lá que vivem as mulheres que querem partir para a estrada 43 sem, ao menos, se importarem se estão despidas ou se são apenas aquilo que a rádio espera que elas sejam: as futuras estrelas do conglomerado urbano.
páro o carro. meto gasolina e vou embora. não. me apetece levar alguém comigo, mesmo que seja inocente e não se possa deter na estranha forma das pessoas viverem o corpo. nesta cidade, não existe dimensão nenhuma que seja de fácil percepção. tudo se resume ao modo como as pessoas fogem. a estrada é apenas o meio. e não o fim.
chama-se violet e tem nome de flor. e também o nome do chakra de ligação com deus, mas talvez não seja isso porque deus não tem corpo e as flores não têm mais nenhum cheiro do que aquele que movimenta o ecossistema das plantas. apetece-me fodê-la. não a flor, mas a rapariga que tudo abarca e que tem o corpo junto à porta do carro. para onde partes. para a califórnia. procurar ouro. não. não procuro ouro nem viagens xamânicas ao deserto. entra. ela entrou. escusado será dizer que não falámos nada. os meus pensamentos falaram tudo. nunca me dirigi a alguém com estrelas nos olhos, mas a quem não tinha nada a perder, como eu.
levei-a a casa. fez as malas rapidamente, apenas com o essencial. e partimos. nunca prometas nada que não possa ser cumprido, se quiseres podes cortar o mundo às postas e transformar o meu pequeno mundo numa selva de esperma e de calos. não falo nada. apenas penso. mas penso com o lado iluminado do meu rosto. olho a paisagem que se desenrola como um filme. ela adormece. a rádio ilumina as árvores que se estendem no limiar das casas. who's sorry now. angel olsen. uma pauta no silêncio numinoso da paisagem americana. nunca é demasiado discreto pedir o amor quando ele só pode dar a solidão. aproximo a mão da pele e os olhos fecham-se e abrem-se. o olhar é uma flor desgastada que se abre quando pressionada pelo toque da pele. tudo se resume ao fogo do prazer e ao movimento da estrada.
páro o carro e saio para fora. o corpo e mais a pele. já é noite acendida e os carros movimentam-se como faróis no meio do mar e dos peixes. os peixes somos nós. que abrem a boca quando querem ejacular o líquido amniótico que se esquecem de escrever enquanto crianças. tiro as calças e deixo que ela engula o que restou de mim enquanto estive na casa. e o que sair será para ela uma forma encantatória de enganar a solidão. porque provavelmente o amor será apenas isso, quando engolimos e deixamos sair. e vomitamos. e voltamos ao estado do leite virginal. e deixamos que o corpo se relembre disso. até cairmos e termos a sensação de que acabámos com a inocência de quem queria apenas partir e não jogar o seu futuro nas estradas e nos corpos alheios. o corpo é só nosso quando perdoamos as nossas faltas. e se a solidão e o amor são o lamaçal da pele, nunca deixamos de ser cadáveres. e fodemos pelos nossos mortos como fodemos pelo nosso sabor metálico. mas lá estou eu a pensar. provavelmente, é mesmo amor, mas com uma diferente intensidade. a partilha da pele e do esperma. só a nossa inocência é que sabe.
Jorge Vicente
Fotografia de Robby Müller, "Santa Fe, Mexico", 1985.
26 episoder
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by Jorge Vicente
00:00:01 Surma | Uppruni
00:02:51 Jorge Vicente | Violet – Parte I (Ema Alba Lobo)
00:04:20 Ala dos Namorados| Rosa Negra
00:07:53 Novos Baianos | Acabou Chorare
00:11:59 Martin and Blane | That's How I Love the Blues
00:15:58 Jorge Vicente | Violet – Parte II (Ema Alba Lobo)
00:16:26 Red Norvo & His Orchestra | Remember
00:19:34 The Chantels | My Memories of You
00:21:43 The Marvelettes | Happy Days
00:23:42 Derek & The Dominos | I Am Yours
00:27:10 The Charts | Why Do You Cry
00:29:30 Johnny Ace | Pledging My Love
00:31:53 The Aquatones | You
00:33:49 Jorge Vicente | Violet – Parte III (Ema Alba Lobo)
00:34:36 The Nutmegs | My Sweet Dream
00:36:43 The Jesters | The Wind
00:39:58 Little Caesar & The Romans | Adorable
00:42:18 The Shirelles | Lonely Teardrops
00:44:54 Jorge Vicente | Violet – Parte IV (Ema Alba Lobo)
00:45:59 The Ronettes | Walking In The Rain
00:49:02 Angel Olsen | Who's Sorry Now
00:51:17 Jorge Vicente | Violet – Parte V (Ema Alba Lobo)
00:52:42 Tarnation | Two Wrongs Won't Make Things Right
VIOLET
esqueço-me de abrir as portas do carro. elas estão presas ao pó que circunda o pátio da casa. vou sair. ligo o ar condicionado e espero que a rádio transmita aquelas palavras que, muitas vezes, repetem ao longo da manhã. bom dia. o trânsito está encerrado na estrada 43 e não é bom dia para passear. melhor seria ficar em casa e comemorar a solidão, olhando as pequenas folhas que teimam em se movimentar em pequenos círculos, como se puxadas por um cordel imaginário. lá fora, vivem as pessoas e o seu estranho círculo de relações. ligo o carro e aperto o cadafalso à pedra. muita distância separa o teu corpo das inúmeras sensações que o prazer provoca, mesmo que este seja uma forma nada subtil de enganar a solidão. aperto-me ainda mais na sensação de ter de me movimentar estrada fora e admirar as mulheres que me pedem para adormecer num diner triste e decadente. é lá que vivem as mulheres que querem partir para a estrada 43 sem, ao menos, se importarem se estão despidas ou se são apenas aquilo que a rádio espera que elas sejam: as futuras estrelas do conglomerado urbano.
páro o carro. meto gasolina e vou embora. não. me apetece levar alguém comigo, mesmo que seja inocente e não se possa deter na estranha forma das pessoas viverem o corpo. nesta cidade, não existe dimensão nenhuma que seja de fácil percepção. tudo se resume ao modo como as pessoas fogem. a estrada é apenas o meio. e não o fim.
chama-se violet e tem nome de flor. e também o nome do chakra de ligação com deus, mas talvez não seja isso porque deus não tem corpo e as flores não têm mais nenhum cheiro do que aquele que movimenta o ecossistema das plantas. apetece-me fodê-la. não a flor, mas a rapariga que tudo abarca e que tem o corpo junto à porta do carro. para onde partes. para a califórnia. procurar ouro. não. não procuro ouro nem viagens xamânicas ao deserto. entra. ela entrou. escusado será dizer que não falámos nada. os meus pensamentos falaram tudo. nunca me dirigi a alguém com estrelas nos olhos, mas a quem não tinha nada a perder, como eu.
levei-a a casa. fez as malas rapidamente, apenas com o essencial. e partimos. nunca prometas nada que não possa ser cumprido, se quiseres podes cortar o mundo às postas e transformar o meu pequeno mundo numa selva de esperma e de calos. não falo nada. apenas penso. mas penso com o lado iluminado do meu rosto. olho a paisagem que se desenrola como um filme. ela adormece. a rádio ilumina as árvores que se estendem no limiar das casas. who's sorry now. angel olsen. uma pauta no silêncio numinoso da paisagem americana. nunca é demasiado discreto pedir o amor quando ele só pode dar a solidão. aproximo a mão da pele e os olhos fecham-se e abrem-se. o olhar é uma flor desgastada que se abre quando pressionada pelo toque da pele. tudo se resume ao fogo do prazer e ao movimento da estrada.
páro o carro e saio para fora. o corpo e mais a pele. já é noite acendida e os carros movimentam-se como faróis no meio do mar e dos peixes. os peixes somos nós. que abrem a boca quando querem ejacular o líquido amniótico que se esquecem de escrever enquanto crianças. tiro as calças e deixo que ela engula o que restou de mim enquanto estive na casa. e o que sair será para ela uma forma encantatória de enganar a solidão. porque provavelmente o amor será apenas isso, quando engolimos e deixamos sair. e vomitamos. e voltamos ao estado do leite virginal. e deixamos que o corpo se relembre disso. até cairmos e termos a sensação de que acabámos com a inocência de quem queria apenas partir e não jogar o seu futuro nas estradas e nos corpos alheios. o corpo é só nosso quando perdoamos as nossas faltas. e se a solidão e o amor são o lamaçal da pele, nunca deixamos de ser cadáveres. e fodemos pelos nossos mortos como fodemos pelo nosso sabor metálico. mas lá estou eu a pensar. provavelmente, é mesmo amor, mas com uma diferente intensidade. a partilha da pele e do esperma. só a nossa inocência é que sabe.
Jorge Vicente
Fotografia de Robby Müller, "Santa Fe, Mexico", 1985.
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